" Todos devem deixar algo para trás quando morrem, dizia meu avô. Um filho, um livro, um quadro, uma casa ou parede construída, um par de sapatos. Ou um jardim. Algo que sua mão tenha tocado de algum modo, para que sua alma tenha para onde ir quando você morrer. E quando as pessoas olharem para aquela árvore ou aquela flor que você plantou, você estará ali.
Não importa o que você faça, dizia ele, desde que você transforme alguma coisa, do jeito que era antes de você tocá-la, em algo que é como você depois que suas mãos passaram por ela. A diferença entre o homem que apenas apara gramados e um verdadeiro jardineiro está no toque, dizia ele. O aparador de grama podia muito bem não ter estado ali; o jardineiro estará lá durante uma vida inteira.
Certa vez, há cinquenta anos, meu avô me mostrou alguns filmes sobre os foguetes V-2. Você já viu alguma vez o cogumelo de uma bomba atômica, de uma altitude de trezentos mil metros? É uma cabeça de alfinete, não é nada. Com a imensidão ao redor.
Meu avô passou o filme do foguete V-2 umas dez vezes, e depois manifestou a esperança de que, algum dia, nossas cidades fossem mais espalhadas, deixando mais espaço para o verde, a terra e o campo, para lembrar às pessoas que nos cabia um pequeno espaço na terra, e que sobrevivemos nessa vastidão que pode tomar de volta o que ela deu com a mesma facilidade com que sopra seu hálito sobre nós ou envia o mar para nos dizer que não somos tão grandes assim.
Quando nos esquecermos quanto a natureza está próxima na noite, dizia meu avô, algum dia ela vai entrar e nos pegar, pois teremos esquecido quão terrível e real ela pode ser. Percebe?
Faz muitos anos que meu avô morreu, mas se você levantasse a tampa de meu crânio, por Deus, você encontraria, nas circunvoluções de meu cérebro, as marcas profundas de seus polegares. Ele me tocou.
José Resende. Homem ao Horizonte Longíquo. 1967
Como eu já disse, ele era escultor. "Odeio um romano chamado Status Quo!", disse-me ele. "Encha seus olhos de admiração", dizia ele, "viva como se fosse cair morto daqui a dez segundos. Veja o mundo.
E se houvesse, seria parente do grande bicho-preguiça pendurando de cabeça para baixo numa árvore o dia inteiro, todos os dias, a vida inteira dormindo. "Para o inferno com isso", dizia ele, "balance a árvore e derrube o grande bicho-preguiça de bunda no chão."
Hélio Oiticica, Seja Marginal, Seja Herói,1968. Presta homenagem a Cara de Cavalo e a Mineirinho, dois bandidos violentamente mortos pela polícia do Rio de Janeiro, confrontando as ideias convencionais de justo e errado, de exercício legítimo de poder e abuso autoritário.
Pablo Picasso, Les demoiselles d'Avignon, 1907. Óleo sobre tela, 243,9 x 233,7 cm. Museu de Arte Moderna, Nova Iorque, EUA.
Consciente da vitalidade e da simplificação das formas, assim como das distorções expressivas, Picasso criou Les demoiselles d'Avignon - que repercutiu intensamente no cenário artístico - e classificou essa e outras obras subsequentes de "fase negra".
Por volta de 1920, as galerias de arte de Paris encheram-se de esculturas, talhas, máscaras e outros objetos procedentes do continente africano, cuja história e estética eram até então pouco conhecidas pelos europeus. Essas obras vindas da África e dos mares do sul, portadoras da grande forças emotiva e criadora, só foram reconhecidas por artistas modernos no início do século XX.
Por causa do tráfico de escravos, a cultura africana das mais diversas tradições penetrou no Brasil e se misturou no grosso caldo da cultura brasileira.
Com os modernistas, especialmente com os estudos e viagens de Mário de Andrade, nasceu a preocupação em valorizar nossas heranças culturais africanas, indígenas e as oriundas da arte popular, que resulta da mistura de todos esses povos.
Em 1936, durante o governo de Getúlio Vargas, a necessidade de proteger o patrimônio histórico e artístico foi reconhecida, graças a Gustavo Capanema, então ministro da Educação e Saúde. Foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), a partir de um anteprojeto de lei de Mário de Andrade. Hoje, o órgão denominado Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é responsável por proteger, tombar, fiscalizar, restaurar, identificar e preservar os bens culturais do País.
Caderno do professor: arte, ensino fundamental - 7ª série, volume 4/Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini - São Paulo: SEE, 2009
Rubem Valentim. Marco sincrético da cultura afro-brasileira, 1978-1979. Concreto armado, 820 x 260 x 60 cm. Praça da Sé, São Paulo, SP.
Rubem Valentim (Salvador BA 1922 - São Paulo SP 1991). Escultor, pintor, gravador, professor. Inicia-se nas artes visuais na década de 1940, como pintor autodidata. Entre 1946 e 1947 participa do movimento de renovação das artes plásticas na Bahia, com Mario Cravo Júnior (1923), Carlos Bastos (1925) e outros artistas. Em 1953 forma-se em jornalismo pela Universidade da Bahia e publica artigos sobre arte. Reside no Rio de Janeiro entre 1957 e 1963, onde se torna professor assistente de Carlos Cavalcanti no curso de história da arte, no Instituto de Belas Artes. Reside em Roma entre 1963 e 1966, com o prêmio viagem ao exterior, obtido no Salão Nacional de Arte Moderna - SNAM. Em 1966 participa do Festival Mundial de Artes Negras em Dacar, Senegal. Ao retornar ao Brasil, reside em Brasília e leciona pintura no Ateliê Livre do Instituto de Artes da Universidade de Brasília - UnB. Em 1972, faz um mural de mármore para o edifício-sede da Novacap em Brasília, considerado sua primeira obra pública. O crítico de arte Frederico Morais elabora em 1974 o audiovisual A Arte de Rubem Valentim. Em 1979, Valentim realiza escultura de concreto aparente, instalada na Praça da Sé, em São Paulo, definindo-a como o Marco Sincrético da Cultura Afro-Brasileira e, no mesmo ano e é designado, por uma comissão de críticos, para executar cinco medalhões de ouro, prata e bronze, para os quais recria símbolos afro-brasileiros para a Casa da Moeda do Brasil. Em 1998 o Museu de Arte da Moderna da Bahia - MAM/BA inaugura a Sala Especial Rubem Valentim no Parque de Esculturas.
George Segal. The depression bread line, 1991. Memorial Franklin Roosevelt, Washington, DC.
Marepe, Cânone, 2006. Instalação. 27ª Bienal Internacional de São Paulo
Cálice, com Chico Buarque e Milton Nascimento composição: Chico Buarque/Gilberto Gil Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
Como beber
Dessa bebida amarga
Tragar a dor
Engolir a labuta
Mesmo calada a boca
Resta o peito
Silêncio na cidade
Não se escuta
De que me vale
Ser filho da santa
Melhor seria
Ser filho da outra
Outra realidade
Menos morta
Tanta mentira
Tanta força bruta...
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
Como é difícil
Acordar calado
Se na calada da noite
Eu me dano
Quero lançar
Um grito desumano
Que é uma maneira
De ser escutado
Esse silêncio todo
Me atordoa
Atordoado
Eu permaneço atento
Na arquibancada
Prá a qualquer momento
Ver emergir
O monstro da lagoa...
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
De muito gorda
A porca já não anda
(Cálice!)
De muito usada
A faca já não corta
Como é difícil
Pai, abrir a porta
(Cálice!)
Essa palavra
Presa na garganta
Esse pileque
Homérico no mundo
De que adianta
Ter boa vontade
Mesmo calado o peito
Resta a cuca
Dos bêbados
Do centro da cidade...
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
Talvez o mundo
Não seja pequeno
(Cálice!)
Nem seja a vida
Um fato consumado
(Cálice!)
Quero inventar
O meu próprio pecado
(Cálice!)
Quero morrer
Do meu próprio veneno
(Pai! Cálice!)
Quero perder de vez
Tua cabeça
(Cálice!)
Minha cabeça
Perder teu juízo
(Cálice!)
Quero cheirar fumaça
De óleo diesel
(Cálice!)
Me embriagar
Até que alguém me esqueça
(Cálice!)
O buraco do espelho
(Edgard Scandurra/Arnaldo Antunes)
O buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde caí
pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some
a janela some na parede
a palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve
já tentei dormir a noite inteira
quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora
O olhar pensa?
O olhar é a visão transformada em interrogação?
O que pode um sensível olhar-pensante problematizar?
"...For the first time in history
It's gonna start raining men
It's raining men
Hallelujah it's raining men, Amen..."
"... Pelo amor de Deus
Ao Nosso Senhor, pergunte
Se ele construiu nas trevas o esplendor
SE tudo foi criado:
O macho, a fêmea, o bicho, a flor
Criado pra adorar o criador
E se o criador inventou a criatura por favor
Se do barro fez alguém com tanto amor
Para amar Nosso Senhor
Não, Nosso Senhor
Não há de ter lançado em movimento
Terra e Céu, estrelas percorrendo firmamento em carrossel
Pra circular em torno ao criador
Ou será que o Deus
Que criou nosso desejo é tão cruel..."
Este foi um ano produtivo, com a criação do Blog como apoio das aulas de Arte. Aqui estão alguns dos melhores momentos de 2009. Estréia do nosso aluno William Damasceno no teatro, com a peça de Oswaldo Montenegro, A Dança dos Signos, do curso de teatro Oficina dos Menestréis:
Ópera Urbana é uma coleção de livros das edições SESC e da editora Cossac Naify, composta por quatro volumes: Cidade dos deitados, Surfando na Marquise, Avenida Paulista e Montanha Russa. A coleção trata do quotidiano da vida urbana e, para divulgá-la, as editoras lançaram um site interativo aberto a todos os públicos.
Para participar acesse o site http://www.operaurbana.com.br/ e procure no link Escolas as tarefas propostas no nome do professor José César Bardelli. Antes de publicar no site, farei um filtro com as melhores tarefas adequadas ao tema. Portanto, não envie diretamente para o site, envie para mim sua foto, texto ou vídeo. A participação valerá nota na disciplina de Arte no 3º bimestre. Escolha apenas uma dentre as tarefas propostas.
Você verá que, apesar de interessante, o conteúdo dos livros é um tanto elitista, pois, as histórias se concentram no Ipirapuera, Av Paulista, Vila Mariana e Centro de São Paulo. Isto também se percebe pela entrevista dos autores. Não estou dizendo que você precisa abordar a periferia, mas que não é necessário se prender ao conteúdo dos livros. Seja criativo, leia bem a proposta e todo o conteúdo do site antes. A tarefa está relacionada com o conteúdo programático, em particular, o estudo do espaço, as intervenções artísticas, artes visuais e novas tecnologias.
Você já ouviu falar muito sobre ele. Está na hora de saber o que faz o "lendário" Walter Miranda:
Ele é um artista plástico versátil, dinâmico e irrequieto que está sempre atualizando suas obras a fim de retratar a mudança dos tempos. Quando começou sua carreira, trinta anos atrás, suas obras abordavam o contexto da ditadura militar, assim como das manifestações estudantis, que abriram as portas para a democracia no país, movimento do qual ele também participou ativamente. Prova de contato (foto) A força do argumento e O preço da liberdade são deste período.
Na década de 1980, criou a série Estigma de George Orwell, trabalhos inspirados no livro 1984 do escritor bitânico George Orwell (pra quem não sabe de onde se tirou o nome Big Brother). Totalitarismos, supressão da liberdade, controle sobre o indíviduo sob o olhar do "Grande Irmão" chefe do Estado são os temas do livro e da série de Walter. E, por falar em alienação, ele também produziu a série A Taça não é nossa - o futebol, tema de alienação por excelência no nosso país.
E o que se faz com a liberdade a duras penas conquistada? Os rumos que o século XX haveria de tomar estão bem retratados nas obras do escritor Aldous Huxley e foi inspirado em seu trabalho que Walter produziu a série Admirável Mundo Novo, em 1986. O desequilíbrio, a alienação e o uso da tecnologia são amplamente abordados. Walter começa a utilizar a proporção áurea em seus trabalhos, associados a elementos da natureza, como folhas, terra, areia, sementes etc. À tradicional técnica de pintura à óleo foram incorporadas imagens digitalizadas e vários elementos do cotidiano tecnológico como placas de computador, chips, hds, processadores etc. Seus trabalhos remetem a reflexões acerca da degradação do meio ambiente e do uso consciente da tecnologia.
A partir da década de 1990, com o mundo já transformado na grande "aldeia global", seus trabahos voltaram-se para o planeta, como um todo. O Projeto Seattle: Exaltação à Gaia, de 1996, é um trabalho de envergadura ecológica, enfatizando o respeito pela Natureza, como Mãe-Terra, daí o nome Gaia (personificação da terra entre os gregos antigos). Elementos da natureza estão novamente presentes (como folhas, terra...), as cores são mais vivas e uma bonita plasticidade é agregada com a representação dos bailarinos, outro elemento constante. A inspiração para este trabalho foi a "Carta do cacique Seattle".
Na virada do milênio, a série Admirável Nova Idade Média solidifica o aprimoramento visual das obras, cujo tema é o quotidiano dentro do mundo tecnológico. Admirável Novo Milênio, o trabalho seguinte, explora além do hardware, o software. Com obras elaboradas a partir dos recursos da computação gráfica, Walter sugere um contraponto entre o real e o virtual, ao misturar nas composições elementos reais e formas que só existem no computador. A partir de 2001, o artista se dedica à criação de obras-objeto, como O livro de Gaia. Participa também da exposição coletiva "450 anos de São Paulo" promovida pelo SESC.
A partir de 2007, desenvolveu a série O Estigma do chefe Seattle na qual a Terra é representada pelo próprio globo, num mundo já sem fronteiras. O destino incerto do planeta, mostra que a Terra foi sucateada pelo homem, ao contrário do apelo do velho cacique. Para demonstrar isso, a série emprega sucatas na composição dos quadros como palitos de fósforos, lápis apontados e a própria terra, assim como outros elementos da natureza já presentes em obras anteriores e as placas de computador, sua marca indelével.
Como uma síntese dos trabalhos anteriores, Walter fecha um ciclo, mostrando no que o mundo se transformou desde os tempos da repressão no limiar da abertura democrática. Nada muito diferente do já preconizado por George Orwell ou pelo cacique Seattle: a Terra submetida aos caprichos da sociedade de consumo e o mundo sob o domínio de um único "Big Brother", o capital.
E agora prepare-se para conhecê-lo pessoalmente. Ele também já ouviu falar sobre você
Nos dias 2 e 3 de maio aconteceu, como todos os anos, a Virada Cultural em São Paulo. Dois dias de Arte e Cultura na cidade toda com eventos para todos os públicos e gostos com preços acessíveis e, na maioria das vezes, gratuito. A idéia de 24 horas de Arte na cidade, nasceu a partir das Nuits Blanches (noites brancas) de Paris, um evento idêntico que acontece na França, e que foi "importado" para São Paulo por iniciativa da, então prefeita, Marta Suplicy.
E, como todos os caminhos levam à França, 2009 é o Ano da França no Brasil, motivo pelo qual a "Virada" deste ano contou com a participação de muitos artistas franceses. Abaixo, foto de uma intervenção urbana, chamada Instalações do Fogo, com a companhia francesa Carabosse, no Jardim da Luz:
E o que é o AnodaFrançanoBrasil? A França realiza, todos os anos, um envento que conta a presença de artistas de diferentes países do mundo a fim de levar a conhecer a Arte e a Cultura de outros povos, Ano da China, da Coréia etc. Em 2005, foi o AnodoBrasilnaFrança. Vários artistas brasileiros se apresentaram em cidades francesas, levando nossa Arte e nossa cultura para lá. Em retribuição a este fato, o presidente Lula decidiu abrir este espaço para que, em 2009, artistas franceses venham para o Brasil, mas também o evento será enriquecido com colóquios, seminários, congressos, ou seja, eventos acadêmicos de grande porte e de alta qualidade. É uma oportunidade e tanto, já que muitos deles são gratuitos. Veja programação clicando no link abaixo:
Por falar em acessibilidade, um dos primeiros eventos do "Ano da França" que aconteceram em São Paulo foi a apresentação da Orquestra Sinfônica de Champs Elysées no SESC Itaquera, transmitido ao vivo pela TV Cultura.
Trata-se de uma orquestra grandiosa e que se apresentou gratuitamente. A mesma apresentação se repetiu no dia seguinte na Sala São Paulo, com ingressos que chegavam a duzentos e setenta reais. Um verdadeiro espetáculo democrático! Sabe aquela história de ópera para os ricos e hip hop pra periferia? Então, esta não é a verdadeira democracia porque determina o tipo de Arte a qual você pode ter acesso e direito de produzir também. Será que um jovem da periferia poderia, se quisesse, se tornar um grande maestro? Pense nisto. Não deve existir uma Arte para a classe dominante e uma outra, para os pobres. A Arte deve ser acessível a todos igualmente, isto significa com os mesmos eventos acontecendo em diferentes lugares da cidade e não diferentes eventos conforme o lugar. Se a cultura da cidade tomasse o exemplo da França, teríamos os grandes espetáculos também ao nosso alcance. Isto sim seria uma grande Virada Cultural. Vira São Paulo! E vive la France!