30 outubro 2010

29ª Bienal de São Paulo

Michel Racine/Béatrice Saurel. Piquenique no Ibirapuera, 2010
" Todos devem deixar algo para trás quando morrem, dizia meu avô. Um filho, um livro, um quadro, uma casa ou parede construída, um par de sapatos. Ou um jardim. Algo que sua mão tenha tocado de algum modo, para que sua alma tenha para onde ir quando você morrer. E quando as pessoas olharem para aquela árvore ou aquela flor que você plantou, você estará ali.
Beatriz Milhares. Girassóis, 2010
Não importa o que você faça, dizia ele, desde que você transforme alguma coisa, do jeito que era antes de você tocá-la, em algo que é como você depois que suas mãos passaram por ela. A diferença entre o homem que apenas apara gramados e um verdadeiro jardineiro está no toque, dizia ele. O aparador de grama podia muito bem não ter estado ali; o jardineiro estará lá durante uma vida inteira.

Nuno Ramos. Bandeira Branca. 2010
Certa vez, há cinquenta anos, meu avô me mostrou alguns filmes sobre os foguetes V-2. Você já viu alguma vez o cogumelo de uma bomba atômica, de uma altitude de trezentos mil metros? É uma cabeça de alfinete, não é nada. Com a imensidão ao redor.

Meu avô passou o filme do foguete V-2 umas dez vezes, e depois manifestou a esperança de que, algum dia, nossas cidades fossem mais espalhadas, deixando mais espaço para o verde, a terra e o campo, para lembrar às pessoas que nos cabia um pequeno espaço na terra, e que sobrevivemos nessa vastidão que pode tomar de volta o que ela deu com a mesma facilidade com que sopra seu hálito sobre nós ou envia o mar para nos dizer que não somos tão grandes assim.

Quando nos esquecermos quanto a natureza está próxima na noite, dizia meu avô, algum dia ela vai entrar e nos pegar, pois teremos esquecido quão terrível e real ela pode ser. Percebe?

Lygia Pape. Língua Apunhalada, 1968 

Faz muitos anos que meu avô morreu, mas se você levantasse a tampa de meu crânio, por Deus, você encontraria, nas circunvoluções de meu cérebro, as marcas profundas de seus polegares. Ele me tocou.

José Resende. Homem ao Horizonte Longíquo. 1967
Como eu já disse, ele era escultor. "Odeio um romano chamado Status Quo!", disse-me ele. "Encha seus olhos de admiração", dizia ele, "viva como se fosse cair morto daqui a dez segundos. Veja o mundo.

Tatiana Trouvé. 300 pontos rumo ao infinito. 2009
Ele é mais fantástico do que qualquer sonho que se possa produzir nas fábricas. Não peça segurança, jamais houve semelhante animal.

Amélia Toledo. Campos de Cor. 1969/2010
E se houvesse, seria parente do grande bicho-preguiça pendurando de cabeça para baixo numa árvore o dia inteiro, todos os dias, a vida inteira dormindo. "Para o inferno com isso", dizia ele, "balance a árvore e derrube o grande bicho-preguiça de bunda no chão."

Hélio Oiticica, Seja Marginal, Seja Herói,1968.  Presta homenagem a Cara de Cavalo e a Mineirinho, dois bandidos violentamente mortos pela polícia do Rio de Janeiro, confrontando as ideias convencionais de justo e errado, de exercício legítimo de poder e abuso autoritário.


E a guerra começou e terminou naquele instante."


BRADBURY, Ray. Fahrenheit 451, p.192, 193. Editora Globo - São Paulo, 7ª reimpressão, 2009

22 outubro 2010

"Fase Negra"

 
Pablo Picasso, Les demoiselles d'Avignon, 1907.
Óleo sobre tela, 243,9 x 233,7 cm. Museu de Arte Moderna, Nova Iorque, EUA.

  Consciente da vitalidade e da simplificação das formas, assim como das distorções expressivas, Picasso criou Les demoiselles d'Avignon - que repercutiu intensamente no cenário artístico - e classificou essa e outras obras subsequentes de "fase negra".

  Por volta de 1920, as galerias de arte de Paris encheram-se de esculturas, talhas, máscaras e outros objetos procedentes do continente africano, cuja história e estética eram até então pouco conhecidas pelos europeus. Essas obras vindas da África e dos mares do sul, portadoras da grande forças emotiva e criadora, só foram reconhecidas por artistas modernos no início do século XX.

 

Por causa do tráfico de escravos, a cultura africana das mais diversas tradições penetrou no Brasil e se misturou no grosso caldo da cultura brasileira.

  Com os modernistas, especialmente com os estudos e viagens de Mário de Andrade, nasceu a preocupação em valorizar nossas heranças culturais africanas, indígenas e as oriundas da arte popular, que resulta da mistura de todos esses povos.

  Em 1936, durante o governo de Getúlio Vargas, a necessidade de proteger o patrimônio histórico e artístico foi reconhecida, graças a Gustavo Capanema, então ministro da Educação e Saúde. Foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), a partir de um anteprojeto de lei de Mário de Andrade. Hoje, o órgão denominado Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é responsável por proteger, tombar, fiscalizar, restaurar, identificar e preservar os bens culturais do País.

Caderno do professor: arte, ensino fundamental - 7ª série, volume 4/Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini - São Paulo: SEE, 2009
Rubem Valentim. Marco sincrético da cultura afro-brasileira, 1978-1979. Concreto armado, 820 x 260 x 60 cm. Praça da Sé, São Paulo, SP.
Rubem Valentim (Salvador BA 1922 - São Paulo SP 1991). Escultor, pintor, gravador, professor. Inicia-se nas artes visuais na década de 1940, como pintor autodidata. Entre 1946 e 1947 participa do movimento de renovação das artes plásticas na Bahia, com Mario Cravo Júnior (1923), Carlos Bastos (1925) e outros artistas. Em 1953 forma-se em jornalismo pela Universidade da Bahia e publica artigos sobre arte. Reside no Rio de Janeiro entre 1957 e 1963, onde se torna professor assistente de Carlos Cavalcanti no curso de história da arte, no Instituto de Belas Artes. Reside em Roma entre 1963 e 1966, com o prêmio viagem ao exterior, obtido no Salão Nacional de Arte Moderna - SNAM. Em 1966 participa do Festival Mundial de Artes Negras em Dacar, Senegal. Ao retornar ao Brasil, reside em Brasília e leciona pintura no Ateliê Livre do Instituto de Artes da Universidade de Brasília - UnB. Em 1972, faz um mural de mármore para o edifício-sede da Novacap em Brasília, considerado sua primeira obra pública. O crítico de arte Frederico Morais elabora em 1974 o audiovisual A Arte de Rubem Valentim. Em 1979, Valentim realiza escultura de concreto aparente, instalada na Praça da Sé, em São Paulo, definindo-a como o Marco Sincrético da Cultura Afro-Brasileira e, no mesmo ano e é designado, por uma comissão de críticos, para executar cinco medalhões de ouro, prata e bronze, para os quais recria símbolos afro-brasileiros para a Casa da Moeda do Brasil. Em 1998 o Museu de Arte da Moderna da Bahia - MAM/BA inaugura a Sala Especial Rubem Valentim no Parque de Esculturas.






10 outubro 2010

Tão perto Tão longe

"O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...



E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...


Fernando Pessoa, plural como o universo
Museu da Língua Portuguesa - 24/08/2010 a 30/01/2011

Sei ter o pasmo comigo
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...



Fernando Pessoa, plural como o universo
Museu da Língua Portuguesa - 24/08/2010 a 30/01/2011

Creio no mundo como um malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...



Fernando Pessoa, plural como o universo
Museu da Língua Portuguesa - 24/08/2010 a 30/01/2011

O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.



Fernando Pessoa, plural como o universo
Museu da Língua Portuguesa - 24/08/2010 a 30/01/2011

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...


Fernando Pessoa, plural como o universo
Museu da Língua Portuguesa - 24/08/2010 a 30/01/2011
  Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar..."

Fernando Pessoa, plural como o universo
Museu da Língua Portuguesa - 24/08/2010 a 30/11/2011

"...Navegar é preciso
Viver não é preciso..."