18 setembro 2011

Estou sendo


1º lugar no Festival de Vídeo do CEU Sapopemba - Jéssica Moura
 "...Há um grande silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras. E do silêncio tem vindo o que é mais precioso que tudo: o próprio silêncio.


- Por que é que você olha tão demoradamente cada pessoa?
Ela corou:
- Não sabia que você estava me observando. Não é por nada que olho: é que eu gosto de ver as pessoas sendo.



Então estranhou-se a si própria e isso parecia levá-la a uma vertigem. É que ela própria, por estranhar-se, estava sendo. Mesmo arriscando que Ulisses percebesse, disse-lhe bem baixo:
- Estou sendo...
- Como? Perguntou ele àquele sussuro de voz de Lóri.
- Nada, não importa.
- Importa sim. Quer fazer o favor de repetir?
Ela se tornou mais humilde, porque já perdera o estranho e encantado momento em que estivera sendo:
- Eu disse para você - Ulisses, estou sendo.
Ele examinou-a e por um momento estranhou-a, aquele rosto familiar de mulher. Ele se estranhou, e entendeu Lóri: ele estava sendo.


Ficaram calados como se os dois pela primeira vez se tivessem encontrado. Estavam sendo.
- Eu também, disse baixo Ulisses.
Ambos sabiam que esse era um grande passo dado na aprendizagem. E não havia  perigo de gastar este sentimento com medo de perdê-lo, porque ser era infinito, de um infinito de ondas do mar. Eu estou sendo, dizia a árvore do jardim.



Eu estou sendo, disse a água verde na piscina. Eu estou sendo, disse o mar azul do Mediterrâneo. Eu estou sendo, disse o nosso mar verde traiçoeiro. Eu estou sendo, disse a aranha, e imobilizou a presa com seu veneno. Eu estou sendo, disse uma criança que escorregara nos ladrilhos do chão e gritara assustada: mamãe! Eu estou sendo, disse a mãe que tinha um filho que esgorregava nos ladrilhos que circundavam a piscina. Mas a luz se aquietava para a noite e eles estranharam, a luz crepuscular. Lóri estava fascinada pelo encontro de si mesma, ela se fascinava e quase se hipnotizava.



Ali estavam. Até que a luz que precedia o crepúsculo foi se esgarçando entre penumbras e maiores transparências, e quase ausência, sem que aquela espécie de neutralidade fosse ainda tocada pela escuridão: não parecia crespúsculo e sim o mais imponderável de um amanhecer:


Tudo aquilo era absolutamente impossível, por isso é que Lóri sabia que via. Se fosse o razoável, ela de nada saberia.
E quando tudo começou a ficar inacreditável, a noite desceu.

Trecho do livro: UMA APRENDIZAGEM OU LIVRO DOS PRAZERES de Clarice Lispector - páginas 71 e 72